Há algum tempo venho
pensando sobre as pessoas que trabalham com idosos e me questiono sobre os
motivos de se trabalhar nos cuidados com idosos.
Ao refletir sobre esse
assunto, a ideia mais clara que me surgiu foi a de um adágio, onde “aqueles
que evitam os erros, colaboram, e muito, para os acertos”. Lidar com idosos
não é coisa fácil e não deve ser uma escolha leviana.
Não tenho a intenção de
restringir quem deveria/poderia trabalhar com idosos como cuidadores,
acompanhantes, enfermeiros, etc., muito pelo contrário. Gostaria de estimular a
reflexão dos motivos dessa escolha e alertar para possíveis enganos dessa
motivação.
A pessoa que deseja trabalhar com idosos,
precisa evitar que este serviço seja compensador
à sua própria consciência. Muita gente se inclina às atividades “bonitas”
como ajudar idosos, mais para satisfazer desejos pessoais de fazer o bem para
“sentir-se bem”. O objeto a ser buscado, neste caso, não é o benefício do idoso
pela abnegação de quem ajuda, mas a satisfação pessoal que utiliza a
fragilidade e a dependência do idoso como um instrumento para alcançar um bem
estar. Essa pessoa precisa perceber que ao invés de altruísmo, está beirando o
terreno do egoísmo, pois o bem produzido se esconde sobre uma concepção errada
de doação. A verdadeira doação é algo que os gregos chamam de Ágape, ou
traduzindo para o português de uma maneira mais livre, o Amor de entrega, onde
o bem do outro é o que faz esta pessoa feliz, mesmo que para isso haja
necessidade de sacrifícios, como abrir mão das vontades para atender ao outro.
Outra coisa que deveríamos evitar na busca da
assistência aos idosos é vê-los com tamanha distância de nós, que poderíamos
cair no erro de ter pena deles serem
idosos. A idade avançada trás consigo algumas coisas inevitáveis que precisam
ser melhores entendidas, como as doenças, a dependência, as limitações etc.
Essa realidade não os torna inferiores aos mais jovens. Todos nós, no
transcurso natural da vida, iremos passar por isso. E o que seremos? Pobres
coitados? Não é assim. É bem verdade que a situação de muitos idosos pode nos
causar comoção, mas isso não deveria acontecer pelo fato de serem idosos, pois
eles são seres humanos dotados de todas as realidades como todos os outros e
ainda agregados ao fator tempo, complementam suas vidas com algo que deve ser
respeitado, senão admirado, a experiência.
Uma pessoa que se aproxima de um idoso para auxiliá-lo deve evitar que a dor da
presença seja maior do que a alegria de estar com ele. Não deveríamos nos
aproximar de ninguém por pena, que seria um sentimento que desqualificaria o
desejo real de ajudar, já que este sentimento não leva a consideração da
igualdade do outro, mas a sua inferioridade em relação a quem sente.
Em terceiro lugar, deveríamos evitar a ajuda
aos idosos por pensar que suas debilidades tornariam o serviço mais fácil. Poderíamos pensar: trabalhar com idosos é o
serviço mais fácil do mundo. Engana-se quem assim pensa, pois a dependência de
um idoso é bastante grande. O nível de atenção dedicado a ele deve ser considerável
e integral, já que o idoso não deixa de ser idoso durante um tempo pra que eu
possa descansar. É um trabalho árduo cuidar de idosos. Exige desapego das
vontades e um carinho que ultrapasse as inquietações, os choros, os gritos, os desconfortos,
as reclamações etc. É um serviço de amor e não de facilidades e alto retorno
financeiro. Aliás, o retorno financeiro poderia ser mais um ponto a ser
tratado, pois exige reflexão, mas não entrarei nesse mérito para não causar
qualquer deslize, já que o nosso foco é mais interno do que externo.
Um último ponto a ser tratado, mas não
significa que todos tenham sido contemplados, é o da curiosidade. É bom sermos curiosos, pois as respostas surgem na
maior parte das vezes por desejarmos insistentemente encontrá-las, e por isso
formulamos perguntas baseadas em curiosidades. Porém, a curiosidade pode também
ser prejudicial se não for equilibrada. Corremos o risco de fazer com que o
trabalho com idosos seja apenas uma experiência para descobrirmos se somos ou não
aptos a esta empreitada. O problema é que idosos não podem ser tratados como
cobaias em laboratórios para identificarmos nossos interesses. Para nós, pode
ser apenas uma questão de descobertas, para eles, é o decurso de uma vida que
pode estar se findando em pouco tempo. Suponho que esta curiosidade seja
trabalhada antes do serviço direto aos idosos, como a percepção da atenção que
procuro dar naturalmente as pessoas que nem contam com meus serviços. Como lido
com meus avós? Como lido com idosos na rua, nos bancos, nos ônibus, enfim, como
é meu trato social com ele? Se não sou capaz de dar atenção, assistência,
carinho, respeito a estes, então dificilmente uma regra profissional me fará
acordar para isso.
Deve ser estranho para muitos lerem estas
linhas. Parece um aglomerado de idéias desanimantes aos que gostariam de
trabalhar com idosos e mesmo os que já trabalham e sentem um nó na garganta por
perceberem que algo está errado. Mas o efeito buscado é exatamente o inverso. A
premissa principal continua sendo: “aqueles que evitam os erros, colaboram, e
muito, para os acertos”. Não procuramos
afastar as pessoas do serviço aos idosos, até porque sempre carecem de braços
nesta área, mas talvez pensar com mais critérios para essas funções possa
proporcionar um melhor desenvolvimento de assistências aos idosos. Repensar os
serviços que já desempenhamos possa ser um grande passo, não para abandono, mas
para melhoria do desempenho destas funções por meio dos que se dedicam por
diversos motivos ao auxílio dos idosos. Colocar o coração no que se faz é
garantir a felicidade dos que são tocados por estes serviços e, por
conseqüência, daqueles que encontram nestas funções a vocação de fazer o bem
aos mais necessitados, sem preconceitos, sem esperar nada em troca, sem desejar
ser reconhecido, mas viver a verdadeira ordem do amor que é a doação.
Por: Eraldo Bittencourt (da redação do Blog)
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